Embates de narrativas foi o que não faltou no 7 de setembro. Nossa diretora de Curadoria de Conteúdo e Novos Produtos, Miriam Moura, conta como a pós-verdade, a trajetória do herói, o messianismo e os filtros surgiram no cenário político. Saiba o que tudo isso tem a ver com a Lei de Newton.
A estratégia de comunicação adotada pelo presidente Jair Bolsonaro para levar manifestantes às ruas no feriado de 7 de setembro envolveu mobilização organizada nas redes sociais, especialmente em grupos do WhatsApp e Telegram, além de comunicação direcionada para o engajamento de lideranças de setores como igrejas, agronegócio, policiais, milícias e maçonaria.
Nos discursos de Bolsonaro em Brasília e São Paulo, a técnica da pós-verdade esteve sempre presente. Contradições e inverdades se sobrepondo à verdade factual. Palavras proferidas em tom de autoverdade, sem conexão com os fatos da vida real. O presidente fez ameaças golpistas ao Supremo Tribunal Federal e voltou a questionar a urna eletrônica.
A postura messiânica, de herói que veio desbancar a corrupção, também integrou a retórica, sem menção a pedidos de impeachment e inquéritos abertos contra ele e seus familiares. Mesmo estando o Brasil perto de atingir a trágica marca de 600 mil mortes, não houve nenhuma menção à pandemia, assim como máscaras estavam ausentes do palanque de autoridades.
As falas insistiram em ataques a autoridades do Judiciário e ameaças de não cumprimento de decisões judiciais e legislativas. Mas, pela avaliação feita pelo próprio presidente no discurso, as manifestações lhe deram o trunfo esperado: “Hoje temos uma fotografia para mostrar para o Brasil e para o mundo”.
Narrativa engajadora
No final da tarde, as estimativas eram de que o público foi menor do que o esperado. A PM paulista informou que 125 mil estavam na Paulista (favoráveis ao governo) e 15 mil do Anhangabaú (oposição). Esse número corresponderia, segundo a mídia, a 6,25% do esperado por organizadores.
O fato é que tinha gente na rua, indício de que a narrativa adotada surtiu efeito e engajamento, como mostravam os tons verdes-amarelos de camisetas, faixas, vuvuzelas, bandeiras agitadas e gritos de slogans como “eu autorizo”. Em cartazes bilingues (inglês, espanhol, italiano e alemão) manifestações de apoio para a “CPI da Toga”, “O povo apoia Bolsonaro”, e muitas outras.
Os atos a favor do governo ocorrem em período de alta da inflação, gasolina a R$ 7,00 e popularidade de Bolsonaro em baixa. Essa contextualização com os fatos foi mostrada em legendas na mídia televisiva durante a transmissão das manifestações ao longo do dia. O radicalismo nas falas do presidente levou a mais perda de apoio da elite econômica, segundo o noticiário.
As manifestações deste 7 de setembro também deflagraram uma guerra de narrativas em vídeos entre o atual presidente, o ex-presidente Lula e candidatos ao Palácio do Planalto em 2022, como o governador gaúcho Eduardo Leite e Ciro Gomes.
Filtro vermelho
No vídeo bolsonarista, imagens com filtro vermelho mostram cenas de protestos em países de regimes comunistas e a locução narra que “o mundo livre está em perigo. No Brasil, a voz dos que protestam por liberdade e justiça (como o blogueiro Oswaldo Estáquio, o ex-deputado Roberto Jefferson, Sérgio Reis) está sendo sufocada”.
Lula atacou Bolsonaro, acusando-o de estimular a divisão e o ódio e de ser incapaz de um gesto de solidariedade às famílias vítimas da pandemia. Em tom cordial, Eduardo Leite, disse que ninguém vai roubar as cores do Brasil: “Este verde e amarelo que está aqui não é meu, não é do Bolsonaro, não é do Lula. É dos brasileiros”.
Bem ao seu estilo, Ciro disse que “a mensagem de liberdade deste 7 de setembro já se firmou desde antes que amanhecesse o dia, quando nossas instituições começaram a reagir aos desvarios de um estúpido tiranete”.
Se a linguagem contundente e o tom messiânico adotados na retórica de palanque em Brasília e São Paulo colheram aplausos dos manifestantes, as reações contrárias também foram imediatas em ocupantes dos outros dois prédios da Praça dos Três Poderes.
Não vou
A menção nos discursos a uma reunião do Conselho da República foi logo respondida com um “não vou”, do presidente do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux, e foi qualificada pelo presidente da Câmara e aliado Arthur Lira de “bravata”.
Na física, a terceira lei de Newton diz que a toda ação corresponde uma reação de igual intensidade, que atua em sentido oposto. Na dinâmica da política, as ações costumam ser mais inconstantes. Em que medida as narrativas de Bolsonaro e de seus adversários políticos terão êxito e quais vão ser os próximos lances no tabuleiro do xadrez político saberemos nos próximos episódios.