
Neste sábado (31), 2022 chega ao fim, mas a sensação é de que não haverá cegonha trazendo no bico o novo ano que o sucede, pois ele já está instalado há algum tempo. Sorrateiramente, 2023 foi se infiltrando no reino do antecessor, substituindo paulatinamente espaços da velha ordem, puxado pelo vácuo se formava no governo findo. Amanhã, champanhes e contagens regressivas cumprirão um ritual do calendário. Para muitos, a virada reforça as expectativas e esperanças de melhora, enquanto outros já somam suas frustações com os acordos e concessões, ou falta de, que marcaram a montagem da nova equipe de governo e a definição das principais políticas públicas. O chamado mercado, ressente-se da falta de mais falcoaria e de menos columbofilia na política econômica, enquanto grupos mais à esquerda lamentam a cessão de espaços caros a eles a parlamentares do Centrão. A busca da garantia da governabilidade parece ter sido a régua e o compasso utilizado pelo presidente eleito, Luís Inácio Lula da Silva. O pragmatismo trouxe as vitórias indispensáveis no Congresso nesse final de ano de 2022, ou nesse início de “2023 antecipado”. A aprovação da proposta de Emenda Constitucional (PEC) que permitiu a algumas despesas ultrapassar o teto de gastos, pagar despesas sem cobertura do governo de Jair Bolsonaro, e aprovar o orçamento de 2023, deu a perspectiva de se começar o governo formalmente sem as incertezas que se temiam antes do teste de fogo. O preço foi alto, como as compensações a parte das emendas parlamentares atingidas pelo fim do Orçamento Secreto. Mas o novo governo assume com as ferramentas necessárias para levar o país de volta à normalidade institucional.
Em live, Bolsonaro sinaliza luta parlamentar

Nesta sexta-feira, antes de embarcar para os Estados Unidos, o presidente Jair Bolsonaro fez o que deve ser sua última live, transmitida pela internet, na condição de presidente da República, e sinalizou que a direita usará o conservadorismo maior do próximo Congresso como uma linha de resistência ao novo governo. “não vai se acabar no dia 1º de janeiro o nosso Brasil (…) o parlamento que volta em 1º de fevereiro é um parlamento mais conservador, mais de direita, menos dependente do poder executivo”. Embora não tenha reconhecido explicitamente a vitória de seu opositor, e tenha dado mensagens dúbias, ao menos Bolsonaro criticou a tentativa de atos terroristas e sinalizou a luta política tradicional como um caminho para a direita, o que pode desestimular gestos tresloucados de seguidores no fim de semana. Mas o presidente revelou que esse não era o desfecho desejado, e que lutou para não perder o cargo. “Como foi difícil ficar dois meses calado, trabalhando, buscando alternativas”. Ele eximiu-se de culpa, ante seus seguidores, por não ter evitado a alternância de poder. “Está prevista a posse agora dia 1º de janeiro. Eu busquei, dentro das quatro linhas, dentro das leis, respeito a Constituição, saída para isso daí (…) Até hoje eu fiz a minha parte dentro das quatro linhas. Agora, certas medidas têm que ter apoio do Parlamento, de alguns do Supremo, de outros órgãos, de outras instituições”, lamentou. E conclamou os apoiadores a continuarem enfrentando o novo governo. “Não é por isso que a gente vai jogar a toalha, deixar de fazer oposição, deixar de criticar, deixar de conversar com os seus vizinhos, agora com muito mais propriedade, com muito mais conhecimento”. Bolsonaro disse que “deu sangue” nesses quatro anos de gestão, com grandes sacrifícios pessoais. “Jamais esperava chegar aqui. Se cheguei aqui, tinha um propósito, no mínimo, atrasar quatro anos o nosso Brasil aí mergulhar nessa ideologia nefasta, que é a da esquerda, que não deu certo em lugar nenhum do mundo”. E conclamou à luta os que ele considera serem a maioria do povo brasileiro. “Temos um grande futuro pela frente. Perdem-se batalhas, mas não vamos perder a guerra”.
Um ano de tensão

Ainda não há clareza sobre em qual nível, e com quais armas, continuará o embate dos grupos antidemocráticos contra as forças progressistas que se aliaram na frente ampla que barrou a reeleição de Jair Bolsonaro e elegeu Lula. A grande esperança é que não se repita o quadro devastador verificado em 2022, com destruição de políticas públicas relativas a meio ambiente, direitos humanos, direitos trabalhistas, direitos das minorias, ameaças ao Judiciário e ao regime democrático. E ameaça à integridade física de adversários políticos, especialmente quando a divergência traz impactos a interesses econômicos. Embora o novo Congresso tenha perfil mais conservador, no qual aposta Bolsonaro e seus aliados, o Executivo terá recuperado grande parte de sua capacidade de ação na reconstrução institucional, com a volta de quadros profissionais aos postos chaves e a adoção de políticas negociadas e respaldadas pela sociedade. Os militares, que viabilizaram a candidatura Bolsonaro (planejaram, segundo alguns analistas), e deram suporte eficaz ao seu governo, deverão estar a caminho dos quartéis, cedendo aos civis cerca de 6 mil vagas em órgãos públicos e empresas estatais abocanhadas nos últimos quatro anos. Outra parcela da sociedade que deu grande suporte a Bolsonaro, no meio empresarial, desiludiu-se com o abandono da esperada agenda liberal e passou a engrossar a frente ampla para a saída de Bolsonaro. Mesmo não gostando da opção Lula, acharam mais prudente desistir do salto no escuro e ter expectativa de influenciar o novo governo, preparando o caminho para um eventual candidato, ou candidata, da chamada terceira via, em 2026.
Prates na Petrobras

Conforme esperado, o senador Jean Paul Prates (PT-RN) foi escolhido nesta sexta-feira para presidir a Petrobras. O anúncio foi feito em um post no twitter pelo presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, após reunir-se com o senador em Brasília. Prates coordenou o grupo de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis da equipe de transição. Após a indicação, o presidente, que precisará ser referendado pelo Conselho de Administração da Petrobrás, confirmou que será alterada a política de preços, hoje focada nos acionistas, e que passará a levar em conta um universo mais abrangente de agentes econômicos. “Sempre tenho dito que política de combustíveis é um assunto de governo, não quer dizer que ele é intervencionista mais ou menos, é um assunto do governo, pois atinge todas as empresas, não só a Petrobras”. O setor aéreo é um dos segmentos que tem reclamado fortemente da política atual de preços de combustíveis. Prates tem 30 anos de experiência no setor de energia e combustíveis e assumiu a secretaria de Energia do Rio Grande do Norte, em 2007.
Mulheres banqueiras

Também foram anunciadas nesta sexta-feira os nomes das novas presidentes, ou presidentas, à escolha delas, do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal. No BB, o cargo será ocupado por Tarciana Medeiros, que está na instituição desde 2000 e é gerente executiva desde 2019. Será a primeira mulher a presidir o banco público desde que a instituição foi fundada.
Na Caixa, a presidente será Maria Rita Serrano é funcionária do banco desde 1989, onde exerceu diversas funções. Ela presidiu o sindicato dos Bancários do ABC Paulista entre 2006 e 2012. Desde 2014 é conselheira eleita pelos empregados no Conselho de Administração da Caixa e, no recente período, passou a coordenar o comitê nacional em defesa das empresas públicas.
Direitos Humanos

Uma mulher também foi escolhida para ser a segunda autoridade do Ministério de Direitos Humanos. A secretária-executiva será Rita Oliveira, Defensora Regional de Direitos Humanos no Paraná e coordenadora do Grupo de Trabalho de Políticas Etnorraciais da Defensoria Pública da União. É especialista em Direito Público e mestranda em Direitos Humanos e Democracia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Em 2021, integrou a Comissão de Juristas Negros e Negras instituída pela Câmara dos Deputados, quando apresentou um relatório contendo diversos projetos de reforma legislativa visando o combate ao Racismo Institucional.