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Os problemas da agenda política e econômica enfrentados nesta semana deverão se repetir na próxima, levando a uma sensação semelhante à do filme Feitiço do Tempo (1993), na qual o ator Bill Murray vai cobrir o evento do Dia da Marmota, na Pensilvânia, que marca o início do inverno, e fica preso num feitiço em que todos os dias são repetições do anterior. Nossa marmota são o novo arcabouço fiscal, queda da taxa Selic, de juros, regras de tramitação de Medidas Provisórias, taxa de juros dos empréstimos consignados, e outros temas que se esticam sem desfecho. Até o fato que poderia diferenciar esta semana da próxima, a viagem da comitiva oficial à China, está sob risco, devido a uma pneumonia do presidente Luís Inácio Lula da Silva, diagnosticada na noite de ontem. Mas a semana foi também pródiga em anúncios e lançamentos de programas e ações que cumprem parte das promessas eleitorais do atual governo e almejam melhorar a vida da população ou de segmentos específicos. Entre as medidas, que o governo espera que levem a um aumento da aprovação do governo, estão o relançamento do Mais Médicos, reajuste do funcionalismo público federal, cotas raciais para cargos de confiança, relançamento da Lei Rouanet, para a cultura, e do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) para a agricultura familiar.
Viagem à China

Imagem: Pixnio
A viagem do presidente Lula à China, que ocorreria neste sábado (25/3), foi remarcada para a manhã de domingo, mas ainda dependerá da recuperação do presidente de uma pneumonia diagnosticada na noite de quinta-feira (23). Um fato complicador é que esta não é uma viagem convencional do presidente. Ela está associada a uma ambiciosa agenda bilateral, de caráter político e comercial, que contará com a presença de quase 200 empresários brasileiros, dos quais 50 são do setor industrial. Uma mudança muito abrangente da agenda de Lula poderia enfraquecer toda a agenda paralela, descasando a presença de autoridades e de empresários.
Impasse das Medidas Provisórias

Foto: Roque de Sá/Agência Senado
Agravou-se nesta semana o impasse entre a Câmara e o Senado sobre o rito de tramitação das medidas provisórias editadas a partir de 1 de janeiro de 2023. As negociações embolaram e nesta quinta-feira (23/3) os presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP/AL), deram declarações quase simultâneas, mas em sentidos contrários. Pacheco anunciou a volta do rito previsto na Constituição, e que vigorou até o início da pandemia de Covid-19: serão instaladas comissões mistas com deputados e senadores, que elaborarão um parecer a ser votado na Câmara e, posteriormente, no Senado. Lira declarou em entrevista que a Câmara não iria votar MP tramitando da forma antiga. Ele insiste que se mantenha o modelo da Pandemia, no qual Lira tem o poder de indicar sozinho um relator para a MP, para votação diretamente no plenário, e marca a data para a votação. Lira considera que a comissão mista desrespeita a proporcionalidade entre as casas. Pacheco até propôs que, nas novas Comissões Mistas, as votações fossem feitas separadamente entre os deputados e os senadores, com a alteração sendo formalizada em uma emenda constitucional. A proposta foi recusada. Duas razões, não excludentes, tem sido apontadas como a causa da intransigência de Lira. A primeira, seria a participação do senador Renan Calheiros (PMDB-AL), adversário ferrenho de Lira em Alagoas, nas movimentações ao lado de Pacheco. A segunda seria uma tentativa de forçar o governo a entrar no debate e ser obrigado a oferecer mais benesses para deputados aliados de Lira. Mas há um peso de disputa de poder entre os membros das duas casas, pois nem no PT há posição unificada. O presidente Lula chegou a agendar para esta sexta-feira uma reunião com os líderes do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), e no Congresso, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), para definir uma linha de ação comum.
Juros rebeldes

Marcello Casal Jr/ Agência Brasil
O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central foi unânime em sua decisão, anunciada na quarta-feira (22/3) de manter a taxa de juros da Selic em 13,75% ao ano, mas ficou dividido o apoio à decisão entre políticos, economistas e empresários. O ponto mais controverso não foi a taxa em si, que já era esperada, mas o tom do comunicado divulgado pelo BC para informar sua decisão. Mesmo alguns defensores da decisão do banco avaliaram que a diretoria saiu do esperado papel de autoridade técnica e entrou no embate político com o governo, que tem condenado incessantemente a manutenção dos juros nos níveis mais altos do planeta. O Banco, além de manifestar sua incerteza em relação à queda da inflação, ainda avisou que pode aumentar mais ainda os juros, caso haja reversão na queda das taxas. Defensores do BC criticam o governo por ter retardado a divulgação do novo Arcabouço Fiscal, que poderia ser um ponto forte no convencimento de contenção de gastos do governo. Mas os críticos da autoridade monetária avaliam que os demais fatores à disposição do Banco seriam suficientes para reduzir em pelo menos 0,25% as taxas ou dar um tom mais ameno no comunicado, sinalizando a queda na próxima reunião, 45 dias após a última. A expectativa é a de que os indicadores que serão divulgados até lá, e a divulgação final do Arcabouço, torne menos sangrentas essas semanas que faltam até o próximo Copom.
Arcabouço fiscal

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, lutou para divulgar o novo Arcabouço Fiscal antes da reunião do Copom. Manteve sucessivas reuniões com ministros e parlamentares, mas a iniciativa empacou no Planalto, nas mãos do ministro-chefe da Casa Civil, Rui Costa. Ele insistiu em aprofundar a discussão para certificar-se de que as novas regras não impedirão os investimentos sociais prometidos pelo governo Lula. Haddad informou em entrevista na terça que o arcabouço terá uma regra de transição que irá recuperar os recursos que deixaram de ser repassados pelos governos Temer e Bolsonaro, desde 2016, em função da lei que criou o Teto de Gastos. Técnicos do governo tem informado em off que o Arcabouço é compatível com nível de despesas entre 18% e 19% do Produto Interno Bruto (PIB), que seria a média histórica de gastos federais.
Consignado abaixo de 2%

José Cruz/ Agência Brasil
Continua indefinido também o novo limite para as taxas de juros dos empréstimos consignados, mas já se sabe que deverão ficar abaixo de 2%, segundo sinalizou em entrevista o ministro-chefe da Casa Civil, Rui Costa. As taxas de juros eram limitadas nesta linha a 2,14% ao mês, mas o ministro do Trabalho, Carlos Lupi, propôs e aprovou, no Conselho Nacional de Previdência Social (CNPS), sua redução para 1,70%. Imediatamente, os bancos suspenderam novos empréstimos, inclusive a Caixa e o Banco do Brasil. As negociações entre governo e Febraban para a busca de um teto intermediário continuam na próxima semana.
Agenda Positiva

Lula Marques/Agência Brasil
O governo concentrou nesta semana o anúncio de diversas ações e programas com impacto positivo para a população:
- Mais Médicos
Na segunda-feira (20/3), o presidente Lula relançou o programa Mais Médicos, agora com o nome ampliado para Mais Médicos Para o Brasil. O programa original é do governo de Dilma Rousseff e foi alterado no governo Bolsonaro. O programa pretende contratar 15 mil novos profissionais de saúde em 2023, para atender áreas periféricas e regiões remotas, que não tem atraído os médicos. A intenção é elevar esse número para 28 mil profissionais. Da mesma forma que o projeto original, a prioridade serão os médicos brasileiros. Espera-se que desta vez as escolas de medicina criadas no âmbito do Mais Médicos de 2013 ofertem mais candidatos do que ocorreu no passado, quando se teve que contratar médicos estrangeiros par suprir as vagas não ocupadas por brasileiros. Caso as vagas persistam, poderão ser chamados médicos brasileiros formados no exterior, a exemplo do que já ocorreu neste ano no programa para a saúde indígena. Os médicos estrangeiros serão novamente a última opção. Além do salário de R$ 13 mil mensais, os médicos terão auxílio-moradia. O custo estimado do programa é de R$ 712 milhões no programa.
- Aumento de servidores
Nesta sexta-feira, foi anunciado pela ministra da Gestão e Inovação em Serviços Públicos, Esther Dweck , um acordo com servidores do Executivo federal, que terão reajuste de 9% a partir de maio deste ano, além de um aumento de R$ 200 no auxílio-alimentação, que subirá de R$ 458 para R$ 658 mensais. O governo espera aprovar os projetos de reajustes em abril, no Congresso. O reajuste estava previsto no orçamento deste ano, e deverá custar R$ 11,2 bilhões, irrigando a economia, que está desaquecendo.
- PAA
O presidente Lula relançou também nesta quarta-feira (22/3), em Recife, o Programa de Aquisição de Alimentos, que terá como fornecedores preferenciais comunidades indígenas, quilombolas, assentados da reforma agrária, negros e mulheres. Os compradores preferenciais serão restaurantes populares, cozinhas comunitárias, merenda escolar, bancos de alimentos e presídios. O orçamento do programa será de R$ 500 milhões em 2023.
- Negros
Na terça-feira (21/3), Lula assinou um decreto que reserva ao menos 30% das vagas de cargos de confiança para pessoas negras, meta a ser atingida até 31 de dezembro de 2026, durante o mandato do atual governo.
- Cultura
A Lei Rouanet, de apoio à Cultura, foi revigorada nesta quinta-feira (23/3), após sofrer um esvaziamento e ataques no governo Bolsonaro. Em cerimônia no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, Lula assinou novos decretos simplificando regras, ampliando o escopo dos projetos beneficiados e fixando as fontes de financiamento para na Cultura em 2023: Lei Paulo Gustavo (R$ 3,8 bi); Lei Aldir Blanc (R$ 3 bi) e Lei Rouanet (R$ 2 bi)
Agenda negativa Moro X Lula
O presidente Lula acabou prejudicando a divulgação de parte dos programas positivos anunciados desde quinta-feira, ao colocar em suspeita a seriedade das ameaças do PCC (Primeiro Comando da Capital) ao ex-ministro da Justiça Sérgio Moro. Lula disse em entrevista no Recife que suspeitava ser uma “armação” de Moro. As críticas ao presidente ocuparam espaço que, em condições normais, seriam para discussão das políticas públicas lançadas. Os holofotes da mídia no embate entre Lula e Moro também desagradou ao principal ameaçado pelo PCC, o promotor de Justiça de São Paulo, Lincoln Gakiya, do Gaeco. Foi ele quem assinou a transferência, em 2018, do chefe maior do PCC, Marco Camacho, o Marcola, para um presídio federal. Ele já declarou em 2022 ser “mentira” a afirmação de Moro de que o governo Bolsonaro teria feito a transferência de Marcola, pois essa não era uma competência do governo federal. A Polícia ainda investiga as razões pelas quais Moro entrou na lista do PCC, pois não havia registro disso até o final de 2022.